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  • jurigol
  • 3 de jul.

Atualizado: 29 de set.

(Escute junto com a leitura) Não é simples falar de si.

Nos repetem que isso é vaidade, exposição desnecessária, ego inflado.

Mas se olharmos de perto, vamos ver que esse silenciamento tem história.

Tem método.


A estrutura que domina — patriarcal, colonial, capitalista — não quer mulheres como autoras de suas próprias narrativas.

Ela quer que a gente repita.

Que a gente reproduza o que foi dado.

No entanto quando uma mulher começa a organizar a própria experiência em linguagem, algo escapa ao controle.

Isso passa a ser político.


A criação visual entra aí — como um modo de pensar sem pedir tradução imediata.

A imagem, a forma, a cor: tudo isso pode carregar o que ainda não sabemos dizer.

E não precisa fazer sentido.

Não precisa ter técnica.

Só precisa ter corpo.


A tela, ou qualquer outro suporte, vira espaço de elaboração. Não de um “eu ideal”, mas daquilo que está em crise, que quer movimento.

Porque o que incomoda — ser mãe, não ser, estar em dúvida, sentir-se deslocada, cansada, cheia de raiva ou de medo — tudo isso é matéria-prima para criarmos.

Matéria viva.

E, como diz Rita Segato, nossa subjetividade é constantemente atravessada pelas violências do mundo.

Mas também pode ser lugar de invenção.


Criar é uma forma de reorganizar o caos.

De devolver forma ao que a linguagem dominante desfigura.


Silvia Federici mostrou que o corpo das mulheres foi expropriado — que o capitalismo começou pela apropriação da nossa capacidade de gerar, de cuidar, de fazer com as mãos.

E que nos separaram da nossa potência criadora justamente para nos tornarmos funcionais à lógica do acúmulo.


Então, quando a gente se expressa fora disso — fora do controle da utilidade, fora da lógica da produtividade — a gente já está mexendo na base da estrutura.

Criar, nesse sentido, é um gesto de autonomia.

É também uma forma de cuidado.


Maria Galindo fala de um feminismo indisciplinado. Um feminismo que nasce do chão, da contradição, do erro, da mistura. Não de manuais. Mas da vida real. A criação é parte disso: não como terapia, mas como prática de consciência. Como modo de reexistência.


A pergunta então deixa de ser “como faço algo bonito?”

E passa a ser:

o que preciso colocar para fora agora?

o que está pedindo passagem?

o que esse incômodo está tentando me dizer?


O que proponho aqui é um espaço onde isso seja possível.

Um lugar para criar sem obrigação de agradar, explicar ou finalizar.

Sem a pressa da lógica capitalista.

Com tempo, com presença, com espaço para o que ainda está em processo.


Expressar-se, nesse contexto, é também uma forma de formar pensamento.

E pensamento que nasce do corpo, da experiência, da contradição — é potente.

Porque ele não repete.

Ele cria fissura.


E é por essa fissura que o novo pode entrar.


Pintar serve para lembrar

para voltar ao corpo.

para voltar para si.


Durante tanto tempo nos ensinaram a calar.

A silenciar a raiva, o prazer, a dúvida, o querer.

A romper com o próprio desejo para caber em formas inventadas por outros.


O regime de dominação — que une gênero, raça e patripoder — nos amputou do nosso próprio centro.

Nos separou da nossa história, do nosso sentir, da nossa linguagem.

Mas quando uma mulher começa a se narrar, algo se move no mundo.

Relatar-se, como lembra Rita Segato, é um gesto de insubordinação. É dizer: eu estive aqui.

Eu sinto assim.

Isso me atravessa, me perturba, me forma.


E se relatar é escrever com palavras, pintar é escrever com o corpo.

A tela vira confidente, espelho, abrigo.

Ela não exige coerência.

Aceita a contradição, a fúria, o cansaço e a delicadeza.


Silvia Federici nos mostrou que o capitalismo intensificou a lógica patriarcal:

nos separou da terra, dos ciclos, das outras mulheres e de nós mesmas.

Na pintura, desfazemos esse corte.

Criamos espaços onde o tempo não é produtividade, mas presença.

Onde o gesto não é técnica, mas linguagem das entranhas, das vísceras.

Onde o erro vira caminho e a mancha vira verdade.


E então vem a pergunta:

O útero, esse espaço simbólico e real — te prende ou te liberta? Talvez dependa de quem narra.

Talvez, na arte, possamos reaprender a escutar esse lugar de dentro.


Reivindicar o corpo não como território de dor, mas de criação/invenção consciente.


Maria Galindo propõe uma pedagogia que nasce da experiência viva.

Uma escola sem sala, onde o currículo é tecido com afetos, memórias, revoltas e sonhos.

Um feminismo encarnado, cotidiano, sujo de tinta, cheio de dúvidas, sempre em movimento.


Pintar, aqui, não é sobre estética.

É sobre existência.

Sobre afirmar que há uma inteligência no sentir, uma filosofia no afeto, uma política na delicadeza.


É sobre escutar o incômodo —

porque no incômodo mora a pergunta.

Ser mãe, não ser. Ser negra, ser branca, ser periférica, ser trans, ser em crise.

Tudo isso nos atravessa.

E o que nos atravessa, também nos forma.

E o que nos forma, precisa encontrar caminho para sair.


Por isso, esta prática de autoexpressão não é luxo, nem distração: é necessidade.

É um modo de sustentar a vida em tempos de esvaziamento.

De criar laços onde tudo pede separação.

De voltar a si, não para isolar-se, mas para poder estar inteira no mundo pronta para tecer redes de apoio e sororidade.


Este espaço é para isso.

Para narrar-se em cor.

Para dizer com imagem aquilo que a linguagem não alcança.

Para lembrar que somos protagonistas da nossa própria história — não vamos pedir permissão.




 
 

Atualizado: 29 de set.

(Escute junto com a leitura) Uma convocação sensível às mulheres que desejam elaborar o mundo por meio da autoexpressão


Pintar não é apenas produzir uma imagem aleatória.

É instaurar um campo de pensamento sensível, onde o gesto emerge como linguagem primeira.

Cada traço é vestígio de uma investigação interior — uma forma de pensamento que não se enuncia em palavras, mas em matéria, cor e presença.


A tela, em sua aparente neutralidade, é território de insurgência.

Ela nos devolve perguntas que raramente ousamos formular:

O que inibe minha criação espontânea?

Quais dispositivos me condicionam, agora, sem que eu os perceba?


O ato de pintar desloca a consciência para o presente absoluto.

É nesse atravessamento — entre o íntimo e o político, o visível e o inconsciente — que a criação se torna um gesto de restituição da própria autonomia.

Não se trata de alcançar um resultado estético, mas de ativar um espaço de elaboração onde o sujeito se reconfigura.


A prática pictórica, quando desatrelada das expectativas normativas, opera como contranarrativa à colonização da sensibilidade.

É um modo de reapropriação simbólica do corpo, da imaginação e da voz — domínios historicamente interditados às mulheres e aos dissidentes da norma.

Pintar, assim, torna-se um enfrentamento micropolítico:

um exercício de descondicionamento, onde se tensionam as forças que nos silenciam, nos domesticam, nos mantêm legíveis segundo códigos hegemônicos.


A linguagem pictórica, justamente por sua ambiguidade e resistência à captura discursiva, escapa às formas de controle instituídas pela moralidade patriarcal, racionalista e colonial.

É um gesto que refuta a transparência da linguagem verbal, propondo em seu lugar uma poética da opacidade — onde desejo, memória, fúria e erotismo se entrelaçam sem pedir permissão.

Pintar é produzir fenda no regime de visibilidade dominante. É afirmar a legitimidade da subjetividade como campo de criação e dissenso. É reintegrar aquilo que a modernidade separou violentamente: razão e pulsão, forma e afeto, estética e existência.


Nesse processo, a pintura deixa de ser um fim em si e passa a operar como dispositivo ético e político.

Ela convoca uma arte que não se submete à função decorativa nem ao espetáculo: mas que insiste, que transborda, que se afirma como presença indomesticada.


Investigo, através da autoexpressão pictórica, o feminino como território de complexidade e subversão —

não como essência, mas como potência de ruptura.

Pintar é, para mim, um modo de resistir à fragmentação imposta.

De pensar com o corpo.

De produzir mundo desde a carne.


Seja bem-vinda.


Este é um espaço que pulsa à margem do ruído.

Uma travessia dedicada às mulheres que pensam com o corpo, que sentem com a linguagem, que desejam com a matéria.


Nossa newsletter nasce como uma correspondência sensível — uma troca íntima e coletiva — entre aquelas que escolhem a criação como forma de elaboração do mundo, como recusa ao silenciamento e como gesto de protagonismo.


Aqui, a pintura não é ornamento, nem ilustração:

é ferramenta de autoinvestigação, território de resistência e exercício de liberdade.

Cada edição será uma convocação: a mergulhar no gesto, a habitar o entre, a tensionar os limites do visível e a reinscrever presença onde antes havia ausência.


Este espaço é teu —

para criar, para sentir, para pensar fora dos contornos pré-estabelecidos.

Para ocupar o invisível com imagens que não pedem licença.


Obrigada por se juntar a este percurso.

Que ele nos fortaleça, nos atravesse e nos transforme.




 
 
  • jurigol
  • 5 de jun. de 2024

Atualizado: 29 de set.


Recheio do vazio. 

Trabalhava nisso. Macio. Farejou humor. Desejou contato. Aproximação, duvidou. Aspereza. Perguntava sem parar. Riscou, provocou limites, os mesmos. 

Corpo. 

Gritos. Choro. 

Aquelas vozes, em cores.

Que lembrança, que nada! 

Mentiras escandalosas. 

Era realidade pura. Encarnação poderosa. Depósito. Horizonte no giro, redondo, vasto e profundo. Fotos. Caras conhecidas. 

Potes médios, pequenos. 500 ml. Bisnagas. Sacrifício. O chamado.

Vomita vai, vomita!  

Escutava em voz alta, mandante. Esse é o lugar para isso!

Gargalhava. E as vozes… Fucking bitch! Encagaçado! Sim, não é louco. 

Sim, não é envergonhado. 

Criança. Peso. Chakra cardíaco. Inútil! Ofício sagrado. Convoca. Motivo.

Provoca.

Junta tudo. Morte. 

Começa do trisal, das cores. Essência. Revela. 

Comunga teu cosmos. Sem retorno.

Até a ancestralidade. 

Até a quebra, o descarte.

Agregou, jogou tudo. Potência.

Sentiu tudo.

Variou intensamente. 

Soltou seu peso n’água. 

Rigidez flácida, na água, suja. 

Complexidade. 

Afirmou o que bem quis… das entranhas! Era o pincel… Um meio. Um dos meios.

E era recém nove e onze da manhã no relógio. 



 
 
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