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  • jurigol
  • 5 de jun. de 2024

Atualizado: 29 de set.


Quer mudança e vive de ideias românticas que favorecem a manutenção do status quo. Quer mudança e segue se narrando como centro do mundo. Quer mudança e espera que ela seja televisionada. Quer mudança e não quer perder nada. Quer mudança e tem medo do próprio desejo. Quer mudança e se justifica por tudo que não faz. Quer mudança e quer que ela venha de fora, que façam por ela, que mostrem como, que seja fácil, que seja indolor, que seja de calmaria, que tenha um manual de impacto positivo comprovado, que não envolva re-voltas, que não perca méritos, que não corra riscos, que não sofra críticas, que não provoque caras-feias, que não sinta solidão, que não sinta-se perdida, que não se desloque de nada importante, que idealizações façam a mágica de transformar por ela aquilo que ela tanto nega a si mesma. Quer mudança mesmo ou só quer ficar na moda e não perder a festa?


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  • jurigol
  • 5 de jun. de 2024

Atualizado: 29 de set.


Nascimento. 

Do latim ‘nascere' - dar à luz, mas a quem se refere? 

A quem dá-se à luz? Àquele que chega?, Àquela que entrega-se à luz? 

Porque chama-se de luz? 

Isso me intriga. Pensar no elixir ocitocina me intriga.


Em termos médicos nascimento é expulsão, retirada.

Penso em assalto. Meu coração dispara, tenho medo, adrenalina.


A luz seria o novo? O ser? Consciência? 

Complexo demais? 

Não entendo bem.

Acho assustador. 

Revela tanto, que cega.

 

Nos confins da fronteira oeste gaúcha a vida acontece meio de supetão, meio sem frescura, sem rodeios, entre trote e a galope, referências de animais de quatro patas, cavalos, éguas, bois e vacas. A dureza é uma marca, um símbolo de força, aprende-se cedo.


A primeira vez que nasci foi rápido, difícil foi juntar as palavras, fazer floreios para contar como que fiz, como fizemos, como nos fizeram, eu e ela. 

A cólera. 

Começo com a forma como lembro da jovem mulher grávida de outra. 

Buchuda, mulher de bucho grande.

Bucho, de músculo, estômago de mamíferos.

Assim rememoro origens.


Era madrugada quando tentei contato com o mundo de fora,  a éguinha caborteira dava seus primeiros sinais.

No primeiro enfiar de dedos na mulher, viu-se que não era a hora, que demoraria para o baile começar. Dali, daquele momento em diante, ela aguentaria o sinal do insuportável que a conduziria para o hospital.

Não tinha experiência, seguia seus próprios instintos, confiança em si, muito própria dela - a qual nunca lhe faltara. 


Os encagaçados na volta, antagonistas do gozo, da criação, do selvagem, do natural, eram figuras que não estavam tão organizadas em exército como viriam a ser algumas décadas depois. 

Era fim da manhã quando os fisgos apertaram e ela foi levada para o hospital, na companhia da sua cunhada. Caminhavam sem parar pelos corredores como lhe fora prescrito. Horas depois, não muitas, a bolsa rompeu e era chegada a hora do despontar da aurora.


Não. Meu nome não veio a ser aurora! Nem seria, não estava na lista. 

Não era sobre o bebê, era antes disso, era junto com isso, era dela, não era o bebê. 

O bebe poderia ser guri, não acho que o sexo era uma preocupação. - Ah: lembrei! Henrique, era pra ser Henrique. Ela me disse que gostava muito desse nome, porém o marido implicava com o ‘H’ do nome. Letra silenciosa, ele dizia, não gosto, inventor de superstições, ele não gostava do nome Henrique, com H e, tampouco sem.


Nasci em agosto, o mês do cachorro louco. Tenho sol em leão, minha mãe sempre diz que eu tenho estrela, fazendo menção, talvez, a minha rebeldia carismática, sei lá. 

‘A mulher vai dar cria, a mulher vai dar cria’, ouvia-se os gritos nos corredores do hospital. Minha mãe foi levada então para sala de parto, o médico chegou a seguir… Ela conta que a colocaram na mesa de parto. 

Mesa? Ah, sim, né mãe, te colocaram naquela posição de frango assado! Sim, sim, sei bem.  Entre gritos e sussurros, aquele banzé do ‘força de cocô-mãezinha’, o rebento despontou.


Pronto, nasci. Fui nascida, fomos. A filha e a mãe. 

Achei frio tudo.

Acho tudo muito frio, sem cor, liso, escorregadio, cinza, opaco, gélido de detalhes.


Ouço que depois disso minha mãe, jovem, ficou sozinha.

Antes ela não estava? Pensei eu.

Tenho que controlar as perguntas. Ah, e a forma de fazê-las. 

Peguei a fama de chata, rabugenta, briguenta, até de burra já fui chamada.


Era pra pensar, pensar criticamente era importante. 

Questionar era importante, me diziam. 

No entanto, tinha que ser do jeito certo, nunca entendi qual era jeito certo. Inocência surrupiada.


Minha avó materna ficou uns dez dias com ela e voltou para a sua vida, ela morava em outra cidade. Ficou a empregada, a quem tenho amor, a quem tenho como segunda mãe. Minha mãe preta. 

Elas me disseram que eu chorava muito. Minha mãe me amamentou por algumas poucas semanas e depois interrompeu. Estava exausta, sozinha, sem dormir, depressiva. O médico a orientou que parasse a amamentação. Teria sido a sua prescrição para tratar o cansaço e o abandono do qual sofrera.


Uma vez tive um sonho no qual eu me via bebê sobre uma cama e chorava, chorava, sozinha até cansar. Um abandono desesperador. Meus músculos da face se contraíam todos, a boca aberta, e a voz daquele bebê aos gritos até sucumbir de cansaço.

Acordei desse sonho pensando que era um sonho de querer nascer. 

Como eu poderia ter nascido sem que nenhuma mulher tivesse nascido antes de mim? Biografias suprimidas delas mesmas, saberes femininos difusos, benzedeiras, rosários, nomes de fármacos modernos e histórias trágicas e acidentes.


Quando eu tinha 3 anos, minha irmã chegou. Contaram-me que eu derrubei ela do carrinho, de tanto que eu queria vê-la e ninguém me mostrava. Eu me pendurei no carrinho e o carrinho virou. Ela não se feriu. 

Eu, 

bem,…

eu também não, foi o que contaram.


Contam que eu era muito ARTEIRA e DESBOCADA. 

Hoje em dia eu amo essa palavra - arteira!

Fui olhar no dicionário e vi que para além da raiz ‘arte’, arteira quer dizer auspiciosa, maldosa. Será que era isso que eles queriam que eu pensasse de mim?

Não gostava de elogios, achava chato, usavam sempre o mesmo repertório, subestimavam a minha inteligência.


Nasci madura, me parecia. 

Lembro que sentia muito, intensamente.

Contaram do marido da manicure, na tentativa de me agradar disse, ‘que amor essa guriazinha’ e que minha reposta foi a de um bicho arisco e desbocado. Minha mãe nem sabia que eu já tinha cú e boceta no meu vocabulário.


Tudo isso do nascer me intriga.

Quando tinha uns seis anos minha bisa me contou que o dia do meu nascimento foi um dia lindo. Que meu pai entrara em casa, onde todos estavam a espera de notícias, gritando ‘nasceu a minha filha juliana!, nasceu a minha juliana!’ ela repetia.

Cada vez que ouvia, de alguma forma sentia que nascia com ela, outra vez na história da bisa, me sentia criança, não seria o caso nos demais nascimentos.


Tenho nascido para além do espelho, enquanto espero impacientemente pelo antídoto contra a cegueira, a complacência, a covardia.

Insisto no corpo que possui o útero, que sabe que útero é um tipo de cérebro, que gesta a luz, que percebe a intensidade da luz, que insurge e transborda em metáforas e revoluções pacíficas.

Ou não. 

Órgão erógeno, êxtase, ocitocina, clímax, gozo, prazer. 

Prazer, prazer!

Coitada dela, ouvia atrás da porta, tem tanto potencial, lá, dependente do marido, escondida no lar, sem fazer nada, sem fazer nada pra ela, colada na cólera. 

A cólera, a minha outra.

Eu, 

dissidente.


Mentiu quem disse que nascer é simples.

Devir-mulher tem urgência.

Enquanto isso preciso nascer por todas elas.

Resistir por todas elas.

Até pelas assassinas de si próprias. 

Por todas elas quem? 

Ah! Aprendi que são 7, são sete antes de mim.

Nascimento, meu. Meu?



 
 
  • jurigol
  • 5 de jun. de 2024

Atualizado: 29 de set.


Caio no buraco. De saia, me arregaço no chão. Era um desfile de beleza, eu estava na passarela, que vergonha!

Todos riem, que vergonha!

Que vergonha dos meus excessos, excessos de palavras, 

excessos de opiniões fora do que cabe dentro de um mar de obviedades, 

excessos de desejos descabidos no imaginário coletivo, 

colonizado de cinza, morte e escravidão. 


Não desisto, 

persevero na condição de caminhante. Difícil essa coisa de caçar um eu que me satisfaça. 

Resistir às projeções é exaustivo.

Emano então a carência de não pertencer ao óbvio, ao constante, ao mundo do 0 ou 1.


Resolvo então viver a mãe. 

Mãe de mim mesma agora.

Me materno, me valido na condição de não-sei-para-onde-estou-indo-mas-aqui-não-é-meu-lugar. 

Penso na mediocridade de um corpo-casa-mulher sem gozo próprio. 

Penso na dependência de autoridades imaginárias que me congelam guria pequena, medrosa, indefesa.

Converso comigo mesma, 

digo-me que aquilo que busco, transcende liberdades coloniais, essa de fazer-o-que-eu-quero-na-hora-que-eu-quero.

Não essa liberdade!, 

Não a liberdade de escolher onde morar, viajar, consumir coisas belas. 

Essa eu sei, 

é de privilegio branco, é de quem joga o jogo, que aceita criar a sua identidade e a sua forca de ação no vender do tempo em troca de ilusões materiais e ideias esvaziadas de pertencimento.


O que de fato estou a caça é uma coisa sem nome. 


Algo que faz rir e chorar, algo que faz contorcer, suar, relaxar, conscientizar. 

Tudo ao mesmo tempo. 

Essa coisa sem nome que quando me atravessa me deixa dormir e sonhar que estou nadando por entre baleias.

Potência de majestade da própria realidade, entendendo da responsabilidade humana, trabalhando do seu lugar, com aquilo que tem, do seu lugar social, de poder habitar esse corpo-casa, de fazer uso desse corpo-templo de festivais prazerosos e libidinais. 

Potência de poder criar rituais, de abrir os olhos da consciência, sentir-se parte da terra, tão parte a ponto de sentir-se terra-casa. 

Potência de poder fazer nascer o futuro para querer pertencer e não querer fugir. Diferenciar-se, lutar, resistir. 

A inadequação é um personagem desse teatro privado que abre as cortinas e se apresenta pra mim.

O que ela quer dizer, que mensagem ela quer transmitir?


Criei uma resposta, foi bom sentir forte o que ela me causa.  

Persisto na resposta inventada. 

Ela me cai bem, provoca soltura.

Ela me avisa da revolução, revolução do olhar, revolução do desejo, revolução do imaginário.

Ela pede por insurgência, por fincar no tempo a ideologia do cuidado humano.

Grita por ousadia para tornar a vida o espaço de experimentação constante, simbólica, de vivências diversas, reais, presenciais.


Sugere fazer casinha no desconforto do novo.


Penso então em plasticidade neurológica, penso em virtudes humanas, nobres, 

penso na humilde para aprender, para estar em relação ao mundo. 

EM relação! Nem acima, nem abaixo. 

Porque afinal, diante do céu, do sol, do mar, todos somos pequenos. 

Quem corrompeu a ideia das hierarquias do mundo natural tornando motivo de disputas raciais e misóginas sangrentas?


Quem corrompeu a ideia de que porque está na natureza pode-se extrair, apropriar-se?, quem precisou inventar o conceito de natureza e pra quê afinal precisamos dele? Se é perfeitamente clara a compreensão de que precisamos de ar, água, comida e proteção sobre as nossas cabeças… 

Por que parece impossível superarmos a ideia do escasso e de que não seremos mais comidos pelo leão?

Parece que estamos é sofrendo com a escassez da humildade, parece que nossos sonhos precisam ser capitalizados para serem legítimos.

E devem ser gravados, fotografados, divulgados, compartilhados, propagados, exibidos, explícitos??… tudo parece tão óbvio. 


A inadequação fala para expandir os limites, subverter do cotidiano e ir além, ir reinventando o desejo. 

Desejar além do horizonte capitalocêntrico. Deixar ir a ideia de buscar pertencer ao clã dos valores dominantes de alguns homens (sempre poucos, porém muito armados e sanguinários) assassinos que se dizem donos. Donos de pessoas, donos do saber, donos das decisões de quem pode saber. 


Donos da violência, de ideias de dominação. Isso é o que eles são! 

Propagam o mantra do domínio. Dominar tudo. Da terra às emoções.

Ora, como acreditar que isso é possível, que isso é natural e essa a única história possível para explicar porque chegamos até aqui? Onde corpos-raça-gênero dissidentes do branco macho hegemônico, são restringidos e alienados da sua existência.


Haja paciência, haja estômago para aguentar ouvir repetidas vezes esses mantras cagados de corpos encouraçados, que se fascistizam na busca de se adequar ao fluxo intenso das constantes mudanças e novas revelações que por vezes fazem desmoronar mundos de crenças e ideologias predatórias, cátedras que estão a desmoronar…


Olho para o lado e chamo as amigas para dançar comigo no meio da sala naquela festinha. 

Ninguém quer vir, elas ficam com vergonha, tem medo de sei lá o quê. 

Eu também.

Elas não vêm. Eu vou, eu fico, eu já estou aqui. 

Eu arrisco, eu me desiludo com os olhares ao redor de admiração pela extravagância misturada com deboches e cochichos maldosos. 

Vou guardando, guardo para mim o prazer de dançar, guardo tanto que me esqueço do lugar onde guardei. 


A inadequação me diz que para eu ficar bem com ela, preciso senti-la.

Ela só quer ser uma memória engraçada de um tempo da espontaneidade inconsequente e desprotegida. Ela quer fazer parte da história, quer ser capítulo da biografia. 

Ela é o que não cabe. Ela é ventania, água de mar revolto. 

Ela é a dissidência em mim, 

ela é o meu outro. 

Preciso amá-la para tornar-me gente, tornar-me humana. 

Vou aprendendo… 



 
 
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