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  • jurigol
  • 5 de jun. de 2024

Atualizado: 29 de set.


Escrever essa carta lhe tomou um punhado de horas. 

Ficou pensando no que dizer, porquê dizer, como dizer. 

Achava morrer uma brincadeira divertida, pensava na morte como uma ação, uma atitude derradeira de entrega, algo de pouca duração, questão de minutos, grande transição, quando cerra-se os olhos, respira-se fundo e emana-se o adeus.

A morte não era um tabu.

A maldade, sim.


Para ela, era mais intrigante

sua origem.

De onde ela vinha? 

Era algo inato?

Fenômeno humano socializado? 

De raça específica ? 

De gênero específico ? 

Talvez te pareçam questões de pouca utilidade prática, respondê-las não mudaria em nada a realidade, então, pra quê colocar tanta energia em buscar essas respostas? 

tu podes estar te perguntando.

No entanto, buscar explicações fora vital para ela

Vasculhar essas respostas deram corpo pra sua vida.

Corpo com asas,

jornada que se iniciou quando deu-se conta que não era homem branco, andava confundida

Iniciou-se na noção de que ela era o OUTRO, não universal.

Cíclico.

Teve de aprender a perder 

não era boa em perder 

até ali, era de ganhar, que ela vivia

Entendeu que perder era à primeira vista algo contraintuitivo, mas escondia um campo novo, horizonte aberto, repleto de vida natural e espontaneidade.


Era surpreendente tentar entender a maldade! 

Apelidara a sua vida de vida despida.

Brincou de despir-se, então.

Desvencilhou-se de coisas que aprendeu que definem pertença.

Guardou diplomas, refutou uniformes, crachás, horários apertados, planilhas 

Lembrou de colocar tudo em contrato, aquilo foi um ato de coragem, 

ode ao desejo de entrega.

Retorno a inocência roubada.

Não era um impulso ingênuo, inconsequente, despolitizado! 

Não era pra eles, vinha dela agora.


Ficou nela: branca de cor, uma mãe, imigrante, experimentadora.

Tornou-se estrangeira até do seu próprio país.

Simplificou tudo.

Nenhuma hora desse ciclo lhe fora banal.

Viveu de observar! 

Observava a maldade em suas variadas formas

Como se atrevia buscar as origens da misoginia,

quem se importa com isso? 

Sustentou-se do corpo, da sua força de ação, contabilizou toda a sua libido. 

Pensava sobre a ética da vida. 

Era utópica, idealista, queria viver da ética e da estética da vida, politizou a sua ousadia.

Viveu do trabalho de criar com o corpo e com aquilo de mais humano nela. 

Liberdade política sem sexual.

Quando? 

Onde? 

Impossível.

Se o corpo é o veículo por onde nasce o futuro, pensava então, não seria estratégico transformar seu tempo maternal em provento? 

Coragem do ridículo. 

Provocou-se com isso, um tipo de desdomesticação, testando e perfurando os limites da moral hegemônica judaico-cristã, seus dogmas de sofrimentos e merecimentos meritocráticos.

Buscou viver nas fronteiras, 

era excitante.


Aprendeu sobre emoções fascistas, observava os sintomáticos por toda parte, caminhou pelo túnel do diabo.

Uma curiosidade voraz a movia, uma gana inconsequente de se tornar meio-bicho-meio-mulher

acho que conseguiu, por fim.

Por que acho?

Careceu de interlocução por onde andava, tempo, paciência, profundidade existencial de outrem. 


Não era boa de esperar.

Ficara só incontáveis vezes.

Faltou mencionar um fato-acontecimento-lunático-epifânico que a deslocou no tempo e espaço.

É tarde para detalhes agora. 

Disse que terá de fingir de morta outra vez para contar essa história.

Por ora, devo dizer que aquilo dividiu sua existência em dois tempos. 

Dera-lhe a percepção da carne, do infinito, do eterno. 

Depois daquilo, não se contentou com menos.

Tinha em mãos uma espécie de segredo sagrado, ancestral. 

Gargalhar era a sua maneira de lembrá-lo, 

resguardá-lo.

Havia descoberto o antídoto da maldade, era importante demais para ser levado a serio.

Àquela altura já tinha se tornado material de objetificação. 

 

Restou-lhe então metaforizá-lo, torná-lo cores, contornos, texturas. 

Era uma nova ERA.

Alforriar o querer foi o mínimo que ela pode fazer.

ERA do desejo, foi o que ela instaurara, 

foi o que a vida despida lhe trouxera:

O antídoto.


Hoje, morta, em resumo deixou escrito assim: 

Curiosa da maldade, descobriu o caminho pelo qual percorre a flor de Lotus.

De lá, virou poesia.

Caso queira encontrá-la, enfrente a sua autonomia, ela é coisa que vem do corpo.

Transgrida, desobedeça sem distrações. 

Ela esconde a tua potência de revolução.

Perca o medo de apertar o seu botão.

Fim!



 
 
  • jurigol
  • 5 de jun. de 2024

Atualizado: 29 de set.


CRIAR.

Criar hoje. Criar agora. Criar sentido. Criar morte. Criar vida. Criar transmutação. Criar do corpo. Criar da dor. Criar da náusea. Criar da enxaqueca. Criar da cólica. Criar da constipação. Criar da dor nas costas. Criar mudança. Criar a lógica. Criar contorno. Criar desejo. Criar cores. Criar texturas. Criar dança. Criar espantamento. Criar tesão. Criar estrutura. Criar novas sinapses. Criar dos mamilos. Criar planos. Criar filhos. Criar cachorro. Criar sabor. Criar calor. Criar gato. Criar água aromatizada de limão-taiti. Criar visão. Criar camadas. Criar intensidade. Criar autonomia. Criar começos. Criar o lar. Criar insurgência. Criar o nascer. Criar emancipação. Criar para rejuvenescer. Criar para ignorar. Criar para não morrer. Criar para não matar. Criar a sociedade gilânica. Criar para transbordar. Criar protagonismo. Criar a fala. Criar o fuckoff. Criar dos ovários. Criar sonho. Criar da decepção. Criar futuro. Criar o dressing vinagrete. Criar memórias. Criar a janta. Criar da dissidência. Criar o sentido. Criar da chatice. Criar a merenda para amanhã. Criar para não fazer dieta. Criar o almoço. Criar a faxina eletrônica. Criar seres humanos fortes. Criar a rebelião. Criar de dentro. Criar o arroz com feijão. Criar a rua. Criar o inverno. Criar a viagem. Criar para proteger. Criar para não se render a cirurgia estética. Criar o diálogo. Criar novas palavras. Criar significado. Criar poesia. Criar das entranhas. Criar para dilatar o tempo. Criar a música. Criar a política. Criar tarde. Criar o verão. Criar cedo. Criar a velha. Criar dinheiro. Criar história. Criar sustento. Criar a empatia. Criar apesar de obstáculos. Criar a festa de aniver para eles. Criar a consciência mátria. Criar com o que se tem. Criar de onde estiver. Criar a paciência. Criar com qualquer coisa. Criar o adeus. Criar o hello. Criar o female gaze. Criar o bonjour. Criar encontros. Criar com elas. Criar sem elas. Criar do lago. Criar do mar. Criar da cidade. Criar do clitóris. Criar da floresta. Criar para ficar. Criar quando está junto. Criar quando está só. Criar o projeto. Criar o grito. Criar o choro. Criar a subversão. Criar da vergonha. Criar da raiva. Criar da tristeza. Criar a fome. Criar o fastio. Criar o ANTÍDOTO. Criar o site. Criar utopias. Criar a forma de divulgar. Criar para fugir. Criar privacidade. Criar da inteireza. Criar revolução. Criar o grito. Criar amizades verdadeiras. Criar grande. Criar do útero. Criar apoios. CRIAR AUTOESTIMA. Criar sonoridades. Criar olho no olho. Criar verdades. Criar o ritual. Criar para não politizar. Criar para não ter que se refugiar. Criar para comer. Criar para viver. Criar para gozar. Criar para se rebelar. Criar para enfrentar. Criar para sofrer. Criar para ver. Criar da culpa. Criar para crescer. Criar para sonhar. Criar o dia. Criar as horas. Criar a escola. Criar o conceito. Criar a ideia. Criar o remédio. Criar o antiveneno. Criar do erótico. Criar o livro. Criar a exibição. Criar do gozo. Criar a imagem. Criar alternativa. Criar do prazer. Criar o GOZO próprio. Agora. Hoje. Todo dia. Sempre. Para sempre. É bom! RELAXAR! Jantar! Dormir! Amanhã recomeçar!



 
 
  • jurigol
  • 5 de jun. de 2024

Atualizado: 30 de set.


Era uma vez a criatura do medo,

Fantasiava-se de ambivalência todos os dias, 

vivia só 

Sua vestimenta de contrários era a substância para o seu imaginário

Cheia de certos e errados, feios e bonitos e ausência total de espantamento, 

que produziam em si uma inflexibilidade própria, rigidez flácida, desesperança, malignidade silenciosa

Era do que a criatura do medo vivia


Tinha uma estrutura física humana, 

De uma parte, era dotada de sensorialidade animal, inteira de potência imanente, porém anestesiada.

De outra, infindáveis estímulos. 

Mantinha-se em alta tensão, insensível  

O corpo da criatura do medo fora alienado de si, 

maliciosamente doutrinado a detestar o descanso e a contemplação, 

não deveria parar, nem pensar nisso, 

quanto mais amar.


Vivia no limite.

Capacidade marcada de fazer a distinção imediata de fuga e perigo, 

constantes ideias de desejos, fugazes.

Assim, a criatura do medo ia crescendo.


Vestindo-se  de ambivalência, 

Ia arrastando o tempo, vivendo de ilusões momentâneas 

Não percebia, que, sagaz, era a sedução da servidão voluntária, que ia assumindo diferentes formas de necessidades e pretextos


A criatura do medo pensava em mudar. 

Precisava de tempo. 

Quem tem? Ela perguntava.

A vida é assim mesmo, aguenta!, sussurravam os mandantes.


Raiva, apatia, melancolia, irritação, cansaço, impulsividade, agitação, compulsividade, vícios, dependência de algum tipo inventado de importância.

Vivia nas reminiscências de um tempo de subordinação ao invisível.

Tinha também, muitas vezes, palavreados rebuscados, força para convencer uma nação a defender territórios de alienígenas exterminadores.


A criatura era um tipo de imitação de gente 

Pensava-se livre, submissa a própria neurastenia

Cercava-se de alaridos, era ótima seguidora, achava inspirador seguir, aliada de ideias de rebeldia e revolução aos quatro ventos. 

Competição constante 

Dependente de algum tipo de ovação, mesmo irrisória no campo das ideias, para respirar na sua fantasia.

Impotente, servia voluntariamente aquilo que mais a constringia 

Ora era mártir dela própria, ora em modo espera de um salvador, 

Esturricada na sua fantasia, a criatura do medo queria só olhar pra frente, planejar conquistas, destaques.

Não suportava o momento presente, o agora.

Sustentava-se de engajamentos alheios, cada vez mais provocantes.

Dava tudo de si enquanto corria de variadas formas diferentes na roda do rato de sempre.


No entanto, um dia, o corpo da criatura do medo implorou por atenção, clamou por um novo olhar, protestou por importância.

Esse bicho esquisito, que viajara no imaginário coletivo por séculos

Enjaulado, invisibilizado, humilhado, violentado, queimado, acorrentado, 

Agora gritou 

sedento, faminto…


Lembrava de memórias da infância, “corpo abjeto, imprevisível de desejos, contenha-o!, ser uma criatura espontânea tornará perigosa a tua vida”, disseram-lhe

A criatura do medo tinha sido provocada, era tarde demais pra voltar atrás

Passou a estranhar a sua adestração dentro daquela fantasia, 

Passara a desconfiar do seu apertamento

Descobriu então os sentidos naturais, abaixo da roupa que vestia, a pele, o tempo na suas formas

Descobriu algo de mais vivo, antes ajustado e contido no disfarce

Ganhou entendimento sobre o corpo-lugar, 

território sensorial que enraíza o pensamento, a imaginação e suas consequências incontáveis.

Viu que sua fantasia não era o todo dela

Deu-se conta que a tal fantasia da ambivalência, trazia junto dela história de guerras, domínios, violações e silêncios

 

Perguntou-se por que oferecia-se facilmente ao sequestro da sua autonomia?

Convocou então a sua ousadia, curiosidades, ímpetos, atrevimentos para aventurar-se na busca de algo novo

Problematizou as suas tensões, ganhou perspectivas amplas que foram dando a criatura uma condição de protagonismo maior


Um dia 

o corpo da criatura foi casa de outro

Por meses sentiu que algo crescia dentro dela com uma força visceral, mesmo dentro daquela fantasia, cada vez mais apertada 

A vida crescia, estava vindo dela, passaria por ela

Muitas vezes ela se perguntou como conseguiria tirar aquela fantasia para receber a vida nova?

Um dia, a vida nova chegou, 

por algumas horas ela conseguira se desnudar, deixou de lado aquele disfarce. 

Foi mágico.

Momento de vida revelador.

Não sentia tensões, era como um tipo de derretimento onde seu corpo e o que estava fora dele fosse uma coisa só. 

Não via o mal, fora dissolvido. 

Era uma sensação muito profunda de integridade capaz de abraçar contornos amplos, afagar, incluir, doar com facilidade

Grandeza imanente, 

Em forma de paz, harmonia

Entendera sem esforço sobre a sua verdadeira origem, seu lugar de criatura humana no mundo natural.

A pirâmide que vira claramente não era humana.


A criatura do medo, por vários meses buscou integrar todos esses saberes, amava seu corpo nu agora. 

Aguçou todos os seus sentidos e percebera que o mundo não acompanhou o seu fluxo. 

Ela tinha vivido um mundo fundido de passado-presente-futuro 

Tinha vivido algo profundo que a transformara! 

Quem acreditaria nisso? 


Cercada das gentes fantasiadas

Quis dizer que haveria de arretar, sentir o próprio corpo, nadar para dentro de um mar furioso, arriscar-se à intensidade de um tsunami

Disse que era excruciante, apavorante, 

era um salto de um precipício onde não vê-se o fim

Era depois do risco.


Também haveria de soltar, de deixar ir, deixar morrer,

mas a revelação estaria lá, depois disso tudo vivido.

Passou a ser criteriosa porque tinha que compartilhar aquela revelação, e ao mesmo tempo, deveria resguardá-la, salvá-la do banal, da captura utilitária do mundo da gente aquela.

Ela insistiu, mesmo assim, contou que era acessível, entretanto não era uma experiência fácil de viver. Haveriam de lutar para tê-la!

Deveriam usar a fantasia somente para inventar e sair da solidão.


Era a vida, 

a vida que pedia mais vida. 

Era do corpo fêmea da criatura, 

da sua imaginação

e deveria fazer jus a isso para ir além,

porque aquilo era o novo começo.



 
 
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